Dislexia, Subsídios para Políticas Públicas
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DISLEXIA EXISTE? QUESTIONAMENTO A PARTIR DE ESTUDOS CIENTÍFICOS(1)

Maria Aparecida Affonso Moysés Médica pediatra e Doutora em Medicina pela USP;
Livre-Docente em Pediatria Social pela Unicamp; Professora Titular de Pediatria na Unicamp. Pesquisa as relações entre saúde, aprendizagem e desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Em primeiro lugar, preciso deixar claros alguns pontos, para que possamos focar a discussão em nosso tema.

Existem algumas doenças comprovadas, que podem comprometer muitos aspectos da vida da pessoa, com consequências claras, perceptíveis, facilmente detectadas e que podem dificultar também a aprendizagem. Não é isso que estamos discutindo aqui.

Também existem pessoas que aprendem com a maior facilidade e pessoas que aprendem com muita dificuldade e, entre esses extremos, um continuum de possibilidades infinitas. Também não estamos discutindo a existência dessa diversidade.

O que discutimos aqui é se essa diversidade e, mais especificamente, se o polo das pessoas que têm maior dificuldade para aprender são reflexo da diversidade dos seres humanos ou são consequência de uma doença neurológica chamada dislexia. É isso que estamos discutindo aqui, é para isso que fui convidada a discutir.

Para podermos discutir isso, fundamentalmente, precisamos ver o que existe de embasamento científico dentro do campo médico sobre essa entidade nosológica. Em outras palavras, quais as evidências científicas de que exista essa doença neurológica chamada dislexia?



Para começar, é importante vermos qual é a definição oficial da dislexia. Oficial eu coloco aqui porque é a definição aceita pelos autores que defendem a existência da dislexia e pelas entidades que defendem a existência da dislexia. Essa definição, de 2003, aceita pela Associação Internacional de Dislexia (IDA) e pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD), é a mais recente e é de autores - Lyon e o Shaywitz - bastante conceituados entre os que defendem a dislexia. Claramente eles estabelecem que, para eles, a dislexia seria uma dificuldade ou um distúrbio de aprendizagem - o nome não muda o sentido - de origem neurológica. Portanto, é de uma doença neurológica que se trataria.

Em seguida, o que é que caracterizaria essa doença? Eu só quero chamar a atenção que o que está posto aí como características dessa doença neurológica são elementos detectáveis por meio da leitura e da escrita, exclusivamente, e são elementos que vão aparecer em toda pessoa que tiver dificuldade com leitura e escrita.

Toda pessoa mal alfabetizada vai ter isso, dificuldade de fluência, dificuldade de decodificação, tudo isso só adquirimos quando não aprendemos a ler bem, quem não sabe ler bem ou tem qualquer dificuldade para ler, vai se enquadrar nessas características.

Portanto, dizer que uma doença neurológica é caracterizada por essas questões é extremamente complicado dentro da racionalidade da ciência médica. Lembremos que estamos discutindo  aqui as evidências científicas de que exista uma doença neurológica que comprometeria exclusivamente a linguagem escrita.



Ainda segundo as entidades que defendem a existência dessa doença, como é diagnosticada a dislexia? A ABD destaca, em sua página, um texto que afirma que o diagnóstico é feito dos seguintes modos: primeiro, por um processo de exclusão. Isto me preocupa muito: uma doença neurológica que só comprometeria leitura e escrita diagnosticada por processo de exclusão... Quero ressaltar que usar critérios de exclusão é bastante comum no raciocínio clínico; entretanto, fazer um diagnóstico por exclusão é algo muito diferente. No primeiro caso, vou excluindo hipóteses de modo a poder ir investigando um grupo cada vez mais restrito de possibilidades; no segundo caso, diagnosticar por exclusão significa que, por ter  excluído todas as demais possibilidades, fico com a que restou, mesmo que ela não tenha sido comprovada e nem mesmo investigada. Isto é algo absolutamente estranho à racionalidade científica em medicina. Retornando aos modos de diagnósticos apresentados, o segundo seria indiretamente à base de elementos neurológicos. Isto me preocupa muito mais: uma doença neurológica diagnosticada indiretamente; não é assim que funciona a ciência em neurologia. E, por fim, o terceiro modo: diretamente, à base de frequência e persistência de erros na escrita e na leitura. Bem, voltamos ao ponto inicial: qualquer pessoa que tenha dificuldade de leitura e escrita vai ter persistência de erros até que aprenda a ler e escrever bem.

A mesma autora afirma, na continuação do texto: “Em todos os diagnósticos, o fato de a criança não ter sido alfabetizada por processo comum...” O que está posto aí? É a negação da diversidade do ser humano. Todos temos que aprender pelos métodos padronizados, métodos pedagógicos aceitos como padrões, como comuns. Todos temos que aprender assim. Nega-se a possibilidade de que alguns de nós aprendemos mais pela visão, outros mais pela audição, outros por meio de outros recursos mneumônicos. Cada um tem as suas estratégias de aprendizagem e de lidar com o já aprendido. Cada um de nós aprende por meio de processos mentais diversos, não somos todos absolutamente iguais, padronizados, robotizados. Quando digo que não ser alfabetizado pelos processos comuns é sinal de problema, estou negando a diversidade, estou padronizando, homogeneizando, quase que liquidificando a humanidade, todos temos que ser iguais. Não iguais no sentido de termos os mesmo direitos, ao contrário, pois a negação das diferenças elimina a equidade e os próprios direitos, conquistas da sociedade exatamente porque existem diferenças e desigualdades.

Continuemos acompanhando a lógica da autora citada em destaque na página da ABD: “... ou um histórico familiar com distúrbio de aprendizagem”. Ora, eu só queria lembrar que, quando lidamos com questões ligadas ao comportamento e à aprendizagem, que são as áreas mais complexas e de maior dificuldade de avaliação no ser humano, exatamente por serem as mais sofisticadas, o componente familiar é extremamente importante. Porque é na nossa imersão na família, nos valores culturais, em como essa família lida com tudo, que nos constituimos sujeitos. Como bem disse Paulo Freire, somos “sujeitos datados e situados”, nos constituímos em nosso tempo e espaços, social, cultural, histórico e até no geográfico. Então, sempre tem um componente familiar nesses elementos.

O que se diz é que de 10% a 20% da população mundial tem uma doença neurológica que comprometeria apenas leitura e escrita. Só quero lembrar que na área da Saúde não lidamos com porcentagens para falar de doenças de ordem biológica. Nós falamos em porcentagem para falar de desnutrição, anemia, verminose, que são doenças socialmente determinadas. Quando nos referimos  a problemas constitucionais, biológicos, falamos em taxas como 1 por 10.000, um por cem mil, um por milhão. 10 ou 20% da população geral, tendo uma doença neurológica, inata, que comprometeria exclusivamente a aprendizagem, seria alarmante. Essas taxas, se reais, seriam a comprovação de involução da espécie humana ou a erradicação da normalidade!

Isso foge de toda a racionalidade médica, foge de tudo que se conhece como ciência, ainda mais se agregarmos a definição e como se diagnostica.

Aqui se coloca, então, o grande desafio, que tem sido feito desde que surgiu essa hipótese depois transformada em doença comprovada e inquestionável. Um desafio que permanece sem qualquer tentativa de resposta!

Admitamos que exista a dislexia, doença neurológica que comprometeria exclusivamente a leitura e a escrita. Admitamos, ainda, que nesta sala exista uma pessoa disléxica, assim como nessa transparência tem uma criança disléxica. Todas as outras e todos os outros desta sala – assim como todas as demais crianças na transparência – leem mal, pelos mais variados motivos: porque não foram à escola, entraram tarde na escola, não gostavam da professora, a escola tinha 50 alunos na sala de aula, não tinha lousa... Enfim, todos os motivos que podemos relacionar de ordem social, pedagógica, política, familiar. E tem um, apenas um, que é por ser disléxico.

Pois bem, o desafio é o seguinte: como é que se identifica a criança que não consegue ler e escrever bem, por doença neurológica, no meio de outras cem que também não conseguem ler e escrever bem? Em outras palavras, como se faz o diagnóstico de uma doença neurológica cuja única manifestação é a dificuldade para lidar com a leitura e a escrita?

Bem, parece meio óbvio que o diagnóstico não pode ser feito usando instrumentos de leitura e escrita. Se estou falando de problema no processo de alfabetização, o instrumento será, obrigatoriamente, a linguagem escrita, tarefas de leitura e escrita. Em contraste, uma doença neurológica não pode – e não deve – ser diagnosticada usando apenas leitura e escrita. Pois é, acontece que o diagnóstico é feito exclusivamente com base em elementos de leitura e escrita.

Os testes são feitos usando a linguagem escrita; o diagnóstico é feito usando apenas linguagem escrita, o que coloca um vício no instrumento, um viez enorme no diagnóstico, a tal ponto que não se pode falar em diagnóstico, pois afronta toda a racionalidade científica. Esse vício permeia todas as pesquisas, tudo que se divulga como pesquisa, colocando um viez metodológico, que é de raiz, e que expõe toda a fragilidade científica desse campo, dessa hipótese, ao mesmo tempo em que desvela seu carater estritamente ideológico.

Porque vejam, quando peço para uma pessoa que lê bem fazer determinada tarefa que envolve a linguagem escrita, ela usa determinados processos neurológicos, processos cognitivos.

Porém, ao pedir a mesma tarefa a uma pessoa mal alfabetizada, é outra coisa totalmente diferente, não comparável; ela usa outros processos cognitivos, outros processos mentais. Até mesmo o simples ato de copiar a letra ou palavra projetada envolve processos diferentes. Se projeto a palavra “faca”; quem sabe ler, lê e pensa: “Bom, ‘faca’ em letra de forma eu sei escrever” e escreve “faca”. Porém, e quem não sabe ler? É exclusivamente memória da imagem, memória visual, é outro processo.

Então, eu não posso comparar pessoas que leem bem e pessoas que leem mal usando a leitura, e eu não posso fazer o diagnóstico de uma doença que compromete só a leitura, usando a leitura. É, no mínimo, meio estranho essa postura em ciência.

Existe um autor bastante conceituado e muito citado, até porque ele não critica diretamente a existência da dislexia. O nome dele é Velutino. Em pesquisa de 1979, considerou que a linguagem escrita introduzia um vício nos instrumentos usados para o diagnóstico, exatamente pelas considerações acima.

Ele realizou uma  pesquisa em 1979, trabalhando com adultos americanos, divididos em dois grupos,  um que tinha um diagnóstico anterior de “disléxicos” e outro que tinha o diagnóstico de “normais”. Concordando com as considerações feitas sobre o vicio introduzido por instrumentos baseados em linguagem escrita, decidiu tirar a vantagem de quem sabia ler bem; para tanto, continuou usando os mesmos testes e instrumentos, apenas usou o alfabeto hebraico, que ninguém conhecia, no lugar do alfabeto ocidental, que apenas um grupo dominava.



Para nenhum espanto, encontrou que o desempenho foi exatamente o mesmo nos dois grupos e também, como era de se prever, foi muito inferior ao desempenho do grupo de judeus americanos que conheciam o alfabeto hebraico.

É disso que estamos falando. Eu não posso usar um instrumento feito para quem sabe ler, para avaliar quem não sabe ler e, dizer que quem não souber ler tem uma doença neurológica, um distúrbio. É esta a questão. Apenas isto.

Em síntese, a existência dessa doença chamada dislexia é muito questionada pela própria Medicina, desde o início; não é tranquilo nem inquestinável, e não é apenas no Brasil, é em todo o mundo; aliás, no Brasil é onde tem menor questionamento. A quantidade de publicações e de autores no mundo todo questionando é muito grande; trata-se de uma das questões mais controvertidas na medicina.



Então, para sintetizar: preconiza-se que exista uma doença neurológica que comprometeria só a linguagem escrita e o diagnóstico é feito usando só a linguagem escrita. Desculpem, mas isso não é um diagnóstico, no sentido médico, isso é um processo de rotulação, em que a criança desaparece no processo; a criança e o adolescente deixam de ser um sujeito, com toda a complexidade que o constitui, e se tornam apenas um doente. De uma doença jamais comprovada!

Bom, como é que surge tudo isso? E porque essa polêmica tão grande? O que é que existe de comprovação científica a esse respeito? É importante conhecermos a história dessa invenção de doenças jamais comprovadas.



Essa história começa em 1896, quando um oftalmologista inglês chamado James Hinshelwood escreve um texto dizendo: “Eu acho que as crianças que não aprendem a ler e a escrever têm cegueira verbal congênita”. Mas ele jamais comprovou e nenhum outro autor comprovou a existência dessa doença. Em 1918, Strauss especulou: “Isto é lesão cerebral mínima”. Jamais foi provado que exista. Em 1925, Orton mudou o nome para strephosymbolia, afirmando que a leitura especular (em espelho) seria sinal patognomônico de doença neurológica, hipótese jamais comprovada. Aliás, todos os trabalhos sobre leitura especular mostram que todos nós fazemos leitura especular, especialmente quando estamos aprendendo.

Em 1962, reconhecendo que nada havia sido comprovado, mudaram o nome para disfunção cerebral mínima (DCM), que também jamais foi comprovada. Junto, surgiu a dislexia específica de evolução, que seria específica porque comprometeria só a aprendizagem da leitura e seria de evolução, porque desapareceria com a idade. Também não foi comprovada.

Em 1984, a Academia Americana de Psiquiatria, considerando que a DCM se baseava em conceitos inadequados pois o problema era decorrente de comprometimento da atenção e a ênfase em hiperatividade era inadequada e os critérios diagnósticos eram vagos e pouco científicos trocou para ADD (Attention Deficit Disorders), que no Brasil virou TDA (Transtornos de Deficit de Atenção). Poucos anos depois, a própria Academia Americana de Psiquiatria mudou para ADHD (Attention Deficit and Hiperactivity Disorders), em reconhecimento de que a hiperatividade era um componente importante; no Brasil, surgiu os TDAH (Transtornos de Deficit de Atenção e Hiperatividade). Mais recentemente, a Dislexia Específica de Evolução virou Dislexia de Desenvolvimento. Tudo sempre sem qualquer comprovação... Aliás, pode-se supor que se houvesse um mínimo de evidência científica, os conceitos e os critérios teriam alguma racionalidade científica! O próximo passo dessa história já está em andamento, com um novo nome sendo gestado...

Mudam-se os nomes para que tudo permaneça igual!

Porém, não quero que vocês simplesmente acreditem em mim. Conhecimento científico não se constroi assim, mas com racionalidade, com evidências, argumentos consistentes e solidos do ponto de vista teórico e metodológico. A ciência não se enquadra no campo das crenças, da fé. O meu objetivo, como médica e professora é que vocês exerçam a crítica, aprendam a usar o raciocínio crítico e confiem nas evidências, estando sempre disponíveis e abertos a novas evidências e novos conhecimentos, mesmo que desbanquem os antigos. Afinal, duas das características da ciência são a historicidade e a transitoriedade. Somente o terreno da religião se apoia em fé inabalável e na eternidade.

Pois bem, quando digo que nunca conseguiram comporvar a existência dessas doenças neurológicas – dislexia e Tdah – não acreditem simplesmente. Mas também não acreditem quando outros dizem que essas entidades são inquestionáveis, que existem há mais de 100 anos etc etc.

Vamos a algumas evidências.

Em 2008, a ABD realizou em São Paulo o 8° Simpósio Internacional de Dislexia. O evento recebe grande destaque na página da entidade. Em um dos links, ressaltam a palestra magna que abriu o simpósio, proferido pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa e Silva. Em um exercício de “corta e cola”, encontramos que ao falar sobre os sintomas clínicos e neuroimagens do distúrbio por deficit de atenção e da dislexia, a palestrante afirmou: “mais do que ajudar no diagnóstico, a neuroimagem trouxe a certeza de que o Tdah e a dislexia existem”.



Ora, o que disse a doutora? Simplesmente que, antes da neuroimagem não havia certeza! Então, ela concorda com o que estou falando, pelo menos até o advento da neuroimagem! E a ABD também concorda, pois caso contrário não a teria convidado para a conferência de abertura nem manteria sua fala em destaque na sua página.

Bem, quanto à parte de que a neuroimagem seria a comprovação da existência dessas doenças, veremos mais adiante se isso se sustenta cientificamente.

Hoje vivemos uma nova invasão, um recrudescimento dessas pretensas doenças, em patamares jamais imaginados. Apoiados na sofisticação tecnológica, essa nova onda vem revestida de justificadas recicladas.



Retornam afirmações, agora mais cientificizadas, sobre a inequívoca comprovação da existência de alterações anatômicas no cérebro; de alterações funcionais nos sistema nervoso; de alterações genéticas em pessoas portadoras de TDAH e dislexia. E, em interessante inversão da razão, essas alterações passam a ser apresentadas como a comporvação final da existência dessas pretensas doenças.

A questão que de fato interessa é analisar qual o rigor científico dessas novas justificativas.

É isto que vamos fazer agora com vocês.

Comecemos pelas alterações genéticas.

Afirma-se que os estudos em pessoas com dislexia comprovam a exist~encia de mutações em vários cromossomas, sendo quatro os mais citados: 1, 6, 12 e 15.



Bem, não se assustem, não é que todos esses cromossomas apresentem mutações. Não. Acontece que um grupo de autores afirma que o problema está no cromossoma 1; outro grupo defende que está no 12; um outro briga pelo cromossoma 15.

Afirmam ainda que há alguns genes em que as mutações já foram definitivamente provadas, sendo quatro os mais importantes: DYX1C1; KIAA0319; DCDC2; ROBO1. Também aqui a história é a mesma grupos de pesquisadores brigando pela hegemonia e pelo poder de terem descoberto qual o gen que causaria a dislexia.

Um axioma em medicina é que quando há causas demais aventadas, talvez se esteja longe do real.

Entretanto, há um dado estranho: quase todos os trabalhos que se referem a alterações genéticas como causadoras ou predisponentes a dislexia, usam a sigla GCPD para esses quatro genes, sem explicar o que significa.

Nesses trabalhos, os autores falam dos quatro GCPD, como comprovação de que a dislexia seria uma doença neurológica, de origem genética, provocada por esses genes.

Aí, surge a pergunta: afinal, o que é GCPD? A maior parte dos textos não diz o que é GCPD, e foi difícil achar. Por fim, em alguns textos aparece: Gene Candidato a Predispor a Dislexia. Não é nem causar, é predispor. Predispor? Tem um monte de coisas que predispõe. Cinquenta alunos na sala de aula também predispõe, muito mais. Aliás, isso não predispõe, determina. Professor mal pago também determina.

Vejam o que está posto aí, pelos próprios autores que defendem a existência da dislexia e sua predisposição genética: não existe a menor comprovação, nem mesmo de que esses genes sejam predisponentes à dislexia, eles ainda estão no mero campo de candidatos.

Definitivamente, não é assim que funciona a ciência da genética.

Existem autores do campo que defende a dislexia que inclusive dizem: “Não, espera aí! O gene KIAA0319 não está nem sequer envolvido com o desenvolvimento cerebral, como podem dizer que ele está envolvido com a dislexia?”.

Então, quando digo que não existe embasamento científico, ao contrário de tudo que é divulgado, falo a partir de uma análise científica do que se publica como sendo pesquisa que comprovaria a existência da dislexia e do TDAH.

Vejamos agora as alterações anatômicas causadoras da dislexia e do TDAH.

Divulga-se que existam alterações anatômicas  no corpo caloso, área occipital, parietal, temporal e cerebelo. Mas então é no cérebro inteiro? Não, não é que todas essas áreas estejam comprometidas, é a mesma coisa que já comentei em relação às pretensas alterações genéticas. Um grupo de autores diz que as alterações são plano temporal; outro diz que é no corpo caloso; outros dizem que é na área occipital. E eles brigam entre si. É essa a questão. Somente isso.

Existe um autor famoso nesta área, o Galaburda. É um tipo de guru, reconhecido por todos os autores quando falam de dislexia e Tdah, é um dos autores mais citados e um dos que mais têm trabalhos em alterações anatômicas na dislexia.

Galaburda publicou uma série de trabalhos nas décadas de 1970 e 1980, e que são repetidamente citados por praticamente todos os outros autores, em que,  presumidamente, teria comprovado que o problema da dislexia seria a assimetria de neurônios no plano temporal e ectopisas neuronais em córtex, tálamo e cerebelo.

Quer dizer, o lóbulo temporal esquerdo e o lóbulo temporal direito, ao invés de serem assimétricos, seriam simétricos e essa seria a causa da dislexia. Ectopia neuronal é o seguinte: é um neurônio que está em uma região onde não deveria estar, está fora de lugar.

Aí, você fala assim: “Mas espera aí, quantos de nós, ditos normais, temos ectopia neuronal?”. Não temos esse dado, não foi pesquisado na população em geral presença de ectopia neuronal, não sabemos quantos por cento da população geral tem ectopia. E a simetria temporal, como é? A  esse respeito, existe um trabalho muito interessante, do próprio Galaburda, de 1987, em que estudou 100 cérebros, de pessoas normais. Segundo ele, eram pessoas que morreram e não tinham nenhuma queixa, não tinham nenhum diagnóstico. Ele encontrou que 16% da população normal tem simetria no plano temporal.

Então, como é que pode? Se 16% da população normal tem simetria no plano temporal, como é que simetria no plano temporal faz o diagnóstico de dislexia? Será que é por isso que dizem que em torno de 18% a 20% da população geral é disléxica?

São dados do mesmo autor e, aí, a gente pergunta: “Mas, espera aí, como é que foi feita essa pesquisa? Que método ele usou? Quantas pessoas foram pesquisadas?”.

O Galaburda estudou cinco pessoas que ele disse que eram disléxicas. Apenas cinco! Com idades variando de 12 a 30 anos! Além disso, como ele fez o diagnóstico de dislexia? Nenhuma palavra sobre isso; parece que esta questão, fundamental em pesquisa científica, nem se coloca; parece que não precisa dizer, são disléxicos e ponto. E este é o padrão recorrente do que se publica sobre o assunto: nenhuma palavra sobre os critérios de inclusão, sobre como foi feito o diagnóstico de dislexia e de Tdah. No máximo, quando os autores citam o que consideram ser dislexia, definem como “extrema dificuldade para leitura” ou “dificuldade severa para leitura”. Ora, isso não é critério diagnóstico, isso não define um diagnóstico, muito menos uma doença. Cinco pessoas nas quais ele disse que fez o diagnóstico de dislexia, com idades variando de 12 a 30 anos. Esse é o autor mais citado, todos falam do Galaburda.

Em síntese, podemos afirmar que há a menor evidência científica de que existam alterações na anatomia do sistema nervoso central que provoquem apenas um comprometimento de leitura e escrita ou de comportamento! Não há qualquer comprovação de que existam alterações na anatomia do SNC que causem dislexia ou Tdah!!!

Vamos ver agora as alterações funcionais, que se referem especificamente à neuroimagem, aquela que trouxe a certeza de que a dislexia e o Tdah existem, segundo divulga a página da ABD.

Também se diz que a neuroimagem mostraria alterações funcionais em diferentes regiões do cérebro:  áreas occipital, temporais, parietais, cerebelo. Só falta o corpo caloso!

Novamente não se trata de que o cérebro todo estaria comprometido; repete-se aqui a mesma coisa que já vimos em relação aos genes e à anatomia: alguns autores dizem que é em uma área, outros dizem que é em outra área e eles brigam entre si para saber quem tem o maior prestígio.

Porém, o que é a neuroimagem? É uma expressão para se referir a exames de imagem que são usados em todos os campos da medicina e que recebem esse nome quando aplicados à neurologia. Esses exames são feitos  com aparelhos de imagem extremamente sofisticados e que, sem dúvida, trouxeram grandes avanços, embora sejam caríssimos e venham aumentando muito o custo da Medicina em todo o mundo.

São basicamente três exames:

  1. Pet (Positron Emission Tomograghy), é o que tem a maior resolutividade e qualidade de imagem e é o mais caro. Para vocês terem uma ideia, o Hospital das Clínicas da Unicamp está em processo de compra de um aparelho desses.
  2. Spect (Single Photon  Emission Computed Tomography)
  3. RMNf (Ressonância Magnética Nuclear Funcional)

Precisamos entender a lógica desses exames, para que possamos analisar seus resultados.

Todos funcionam na mesma lógica, a diferença é qual a partícula atômica que eles vão captar, se é um próton, um fóton. Para nossa discussão, não há diferença. Eu sei que determinada célula do corpo, quando está funcionando, capta ou libera determinada partícula atômica e o aparelho vai captar isso. São exames capazes de detectar uma atividade de um grupo de células ou de um órgão. Para simplificar, façam um mix de ressonância magnética com mapeamento de tireoide, aquele exame antigo em que a gente dava uma substância que era captada pelas células da tireoide quando estavam funcionando.

Eu posso detectar, por exemplo, se a imagem de um osso é uma osteomelite, uma infecção ou se é um tumor, porque a atividade celular é diferente. Eu também posso fazer exames que ajuidam muito o diagnóstico em neurologia, que é a neuroimagem.

Porém. Há um ponto chave. Nesses exames, a intenção é captar a imagem das células em funcionamento. No caso específico da neurologia, particularmente no campo de processos mentais, processos cognitivos, é necessário ativar a área que se pretende estudar, certo?

Bem, transpondo esse ponto para a nossa discussão, ficamos com o seguinte desafio: para que o exame detecte a atividade na área da leitura, a área da leitura precisa ser ativada, senão não vai ativar, não vai se mostrar ao exame. E Como é que ela é ativada? Pela linguagem escrita! Eu dou textos para a pessoa ler, eu faço tarefas com linguagem escrita, eu uso a linguagem escrita. Voltamos à questão inicial: como eu o diferencio de um analfabeto? Não existe essa resposta. Os autores que defendem que esse exame provaria que a dislexia é uma doença neurológica dizem que aprender muda o resultado; ora, mas não é o contrário? Será que isso não prova que isso não era doença? Se quando eu aprendo muda o resultado, curou a doença?

A questão é: o exame detecta a causa de não saber ler ou detecta a consequência no cérebro de não saber ler? Porque, se eu não sei ler, quando me dão uma tarefa que usa a linguagem escrita, eu olho um pouco, e depois saudavelmente desligo e minha atenção diminui; aí, a atividade em minha área cerebral responsável pela leitura e escrita diminui, o que é muito saudável, não é? Porque seria um processo obsessivo-compulsivo ficar olhando aquilo lá sem saber decodificar... Está claro isso?

Vejam, essa é a imagem do Pet, realmente é uma imagem bonita, atraente, extremamente sofisticada, que avança muito as possibilidades de diagnóstico e de pesquisa em medicina.

Um detalhe: quando eu estava explicando, eu fui boazinha, eu dei um texto para vocês lerem no exame, não é? Porém, não é bem assim; o que se pede para ler são pseudopalavras. Pseudopalavra é uma palavra que não existe. Portanto, não vale a gestalt de quando você sabe ler. Você precisa ler decodificando letra a letra e juntando para formar sílabas, certo? Algo extremamente difícil para as pessoas que leem muito bem. Para quem tem dificuldade para leitura, quem é mal alfabetizado, é ainda mais difícil.

Outra prova usada é rima de pseudopalavras. Vocês fazem isso rotineiramente na vida? Eu nunca rimei pseudopalavra. Juízo de letras, eu não aprendi isso na escola, eu até faltei algumas vezes, mas nem tanto, eu não sei se uma letra rima com outra ou não, é um conceito que não é algo posto, difundido, não faz parte do aprendido, e mesmo que fizesse parte do aprendido, só valeria para quem aprendeu.

Então, é mais ou menos assim: aplico um exame, para o qual estabeleço um  código secreto e quem não acertar o código secreto é doente. Há algo estranho nisso... Não é assim que a medicina funciona...



Um pesquisador americano fez o seguinte: ele aplicou o Pet em americanos bons leitores dando a eles um texto em inglês para lerem; o resultado do Pet foi normal. As pessoas nem sequer saíram da máquina e ele repetiu o exame, agora dando um texto em espanhol, que eles não conheciam e o resultado do Pet foi “de dislexia”. E aí? O que o exame avalia? Ele avalia a atividade cerebral na área da leitura quando eu sei ler um texto que me dão. Se não tenho domínio da linguagem escrita, o exame perde o significado. Portanto, a neuroimagem não prova que a dislexia existe. Não prova absolutamente nada!!


De novo, como eu não quero que acreditem em mim, mas que exerçam o raciocínio crítico, apresento trechos de artigos escritos por alguns autores, todos conceituados e reconhecidos pelos que defendem a existencia da dislexia e do Tdah.

O primeiro, Ellis, em 1984, escreveu: “Não podemos de forma alguma simplesmente dividir a população entre aqueles que são disléxicos e aqueles que não o são. Assim, parece pouco provável que exista qualquer sintoma ou sinal que irá distinguir quantitativamente disléxicos de não-disléxicos”.

Vejam, uma autora em um texto sobre dislexia, defendendo a existência da dislexia, reconhece que não temos elementos precisos para esse diagnóstico, e não se está falando de criança mal-educada, criança agressiva ou criança que não sabe ler, estamos falando de uma pretensa doença neurológica, portanto, temos que exigir critérios precisos e bem definidos.

Posteriormente, Shaywitz, o mesmo da definição oficialmente aceita de dislexia, diz: “Nossos resultados indicam que a dislexia não é fenômeno ‘tudo ou nada’, mas ocorre em diferentes graus de severidade. Embora as limitações de dados tornem necessários pontos de cortes, os médicos devem reconhecer que eles podem não ter validade biológica”. Esse texto é de 1992, de uma revista bastante conceituada, a New England Journal of Medicine. Uma doença neurológica em que os pontos de corte podem não ter validade biológica? Mas então que tipo de validade têm? Ideológica?

Mais recentemente, em 2006, Siegel diz o seguinte: “Um dos grandes problemas é que não existe nenhum exame de sangue específico ou resultado de imagens do cérebro que possa fornecer um diagnóstico. Fundamentalmente, o problema é que a leitura é medida em um ‘continuum’, e não há nota de corte em um teste de leitura que claramente distinga indivíduos disléxicos e não disléxicos. A distinção entre dislexia e leitura normal é arbitrária; o ponto de corte varia de estudo para estudo. Exatamente onde está a linha entre disléxicos e não disléxicos é subjetivo e controverso.”

Ora, mas se pretende que seja uma doença neurológica! E para ela não há critérios com um mínimo de objetividade?

Cabe a pergunta: existe essa linha que separaria disléxicos e não disléxicos? Existe a dislexia doença neurológica? Tudo indica que não!

Bom, agora entramos então no terreno do tratamento da dislexia, que é sempre um tratamento longo, caro, sofrido, multidisciplinar, multiprofissional, envolvendo vários profissionais. Isso tudo nós já sabemos, o que não se fala muito é que, por trás do tratamento da dislexia e do TDAH, tem escondida a indústria farmacêutica.



Eu sei que dizem que “dislexia é uma coisa, TDAH é outra, dislexia não se trata com medicamento, é TDAH que é tratada e estamos aqui discutindo só a dislexia”.

Entretanto, na página da Associação Internacional de Dislexia, que congrega todas as associações regionais, inclusive a Associação Brasileira de Dislexia, há uma seção de “Perguntas e Respostas” e lá há uma pergunta: “TDAH e TDA são distúrbios de aprendizagem?” e a resposta é: “Não, são distúrbios comportamentais. Um indivíduo pode ter mais do que um distúrbio de aprendizagem ou comportamental. Em vários estudos, 50% dos diagnosticados com distúrbio de leitura e aprendizagem também foram diagnosticados com TDAH”.

Então, em torno de metade das pessoas que têm o diagnóstico de dislexia acaba tendo um diagnóstico também de TDAH, embora sejam coisas um pouco diferentes.

E temos que perguntar, então, como é feito o diagnóstico de TDAH? Eu estou colocando aqui, rapidamente em um “corta e cola”, o que está na página da Associação Brasileira de Déficit de Atenção, como sendo o principal instrumento diagnóstico de TDAH, que é o questionário SNAP IV.

Na verdade, ele é o único instrumento, os outros pretensos critérios rodam em torno dele, tautologicamente. São 18 perguntas, as primeiras nove falam de atenção e as outras nove falam de hiperatividade.

Aliás, têm orientações na página, do tipo “”você pode imprimir e levar para o pai ou para o professor responder”, e as respostas são ‘bastante’, ‘demais’, ‘pouco’, ‘raramente’, assim, bem fluido. Com perguntas do tipo: “Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com ele”.

Gente, a primeira coisa que eu discuto com meus alunos de pediatria, quando uma mãe diz que “Eu acho que meu filho não escuta”, é “pergunta para ela o que ele não escuta, se é quando ela chama para tomar sorvete ou para arrumar o quarto”.

Não há modulação, esse questionário é aplicado a qualquer idade sem modulação, basta ter seis respostas preenchidas como ‘bastante’ ou ‘demais’ em nove, para ser rotulado. Perguntas como “distrai-se com estímulos externos”, tanto para uma criança de 5 anos, um jovem ou um adulto de 60 anos, o questionário é exatamente o mesmo.Aliás, distrair-se com estímulos externos, é saudável, faz parte da vida e é, inclusive, um elemento de defesa frente a perigos externos. Então, essas primeiras nove perguntas fazem o diagnóstico de déficit de atenção.

Depois vocês podem entrar na página e olhar com mais detalhe porque são todas do mesmo teor, de absoluta ausência de cientificidade.

As outras nove falam de hiperatividade, com perguntas do tipo: “Responde perguntas de forma precipitada antes de serem terminadas”. Depende... Se for o primeiro aluno da classe, ele é muito inteligente, se é o que dá problema, ele é hiperativo, tem TDAH.



Eu devo dizer que eu tenho um xodó particular com a de numero 13: “Tem dificuldade em brincar ou envolver-se em atividades de lazer de forma calma?”. Gente, o que é brincar de forma calma? Uma criança ou um adolescente? Quem brinca de forma calma somos nós por limitações físicas, nossas articulações nos limitam.

Tem outras pérolas também, tipo a 11: “Sai do lugar na sala de aula ou em situações em que se espera que fique sentado”; aqui está posto o problema básico, que é o seguinte: quem espera que ele fique sentado? Quem disse que é normal uma criança de 5 anos ficar sentada na sala de aula? Quem disse que é normal um adolescente ficar sentado enquanto a gente espera que ele fique sentado? É o peso da autoridade de quem define o que o outro deve fazer e não o que é normal; é importante frisar  que aqui estamos falando não do ponto de vista da Educação, mas do ponto de vista biológico, pois o que está em discussão é se existem doenças neurológicas que comprometeriam exclusivamente a aprendizagem e o comportamento.

Bom, desse modo o que se tem feito é apenas pretenso diagnóstico, pois na verdade trata-se de rótulos, de estigmas.

Então, eu quero voltar à questão do tratamento e lembrar que a questão da indústria farmacêutica e suas relações com a sociedade têm sido muito divulgadas, constantemente saem reportagens na mídia.

Tem um site americano (www.methylphenidate.net) que foi construído e até hoje é mantido por familiares de crianças e adolescentes que morreram pelo uso do metilfenidato, que é substância base da Ritalina® e do Concerta® e que é a principal droga ainda usada para TDAH nos Estados Unidos. Lá há um relatório do DEA (Drug Enforcement Administration), do US Departament of  Justice, de 1995; todo o relatório versa sobre as relações promíscuas entre a Ciba-Geigy, indústria farmacêutica produtora da Ritalina®, e entidades de profissionais e familiares envolvidos com Tdah. A principal entidade é a Chadd, que é a sigla para  “Children with hiperactivity and attention deficit disorders”. No período de 1991 a 1994, quando ainda as coisas se mediam em milhares de dólares, a Chadd recebeu 748 mil dólares da Ciba-Geigy.

Não temos esse tipo de dado no Brasil, infelizmente não temos acesso, só temos acesso a dados indiretos, como a reportagem que saiu na última Veja, em que 11% dos médicos paulistanos reconhecem já terem recebido brindes valiosos de indústrias farmacêuticas.

Um outro indicador indireto, é a própria página da Associação Brasileira de Déficit de Atenção. Trata-se de uma entidade de familiares que defendem os direitos das crianças e adolescentes com TDAH. Na página principal, há o link “Conheça as empresas parceiras: Janssen-Cilage Novartis”. A Novartis é a produtora da Ritalina®; a Janssen-Cilagé a produtora da nova formulação à base de metilfenidato, que tem o sugestivo nome de Concerta®.

Bem, vejamos rapidamente alguns dados numéricos, como a evolução do número de diagnósticos de Tdah nos EUA, de 500 mil para 7 milhões em apenas 14 anos, de 1985 a 1999.



Em 2007, o número de pessoas medicadas com Ritalina® - vejam que estou falando somente da Ritalina, e o metilfenidato tem como Ritalina® e Concerta® e ainda as fórmulas manipuladas, e nos Estados Unidos também usam a dextro-anfetamina e outras substâncias; aqui são dados só de Ritalina® - seis milhões de pessoas nos EUA, em 2007, tomando Ritalina®. Sendo, como era de se esperar, a imensa maioria crianças e a imensa maioria das crianças, lógico, meninos, porque sempre que o problema é de comportamento, os meninos são maioria.

No Brasil, um dado bastante difícil de achar e que só é garimpado pelo Idum, que é um Instituto de Defesa dos Usuários de Medicamentos, é o número de caixas de Ritalina® vendidas nas farmácias. As vendas das farmácias de manipulação não estão aqui; entre 2000 e 2008 o aumento foi de 1.615%.

Qual é o mecanismo de ação Ritalina®? Exatamente o mesmo que o da anfetamina e cocaína: aumenta a concentração de dopamina nas sinapses.



Quando aumenta a concentração de dopamina, que, lembrem-se, é um dos neurotransmissores do prazer, a sensibilidade a todos os prazeres da vida que liberam um pouquinho de dopamina diminui bastante e, por isso, vai-se em busca de mais e mais estímulos que deem o prazer que só a droga é capaz de fazer.

Discute-se qual é a consequência para a anatomia do sistema nervoso central em crianças com esse aumento absurdo de dopamina. Existem dados de que, quando se retira a Ritalina® em adultos, aumenta a incidência de drogadição às cocaínas.

Outro dado, que é pouco falado, é que nas clínicas de tratamento de drogadição -  esqueçam dislexia e TDAH -, entre os jovens em tratamento de drogadição no mundotodo, 30 a 50% relatam que começaram a sua drogadição usando Ritalina® e indagam: “Mas vocês não diziam que era seguro? Não é um remédio prescrito por médicos e que se diz ser seguro?”.



Quais são as reações adversas desse remédio pretensamente seguro? Só no sistema nervoso tem essas, as mais frequentes, não são todas. Tudo o que está com um asterisco é porque, segundo a bula da Ritalina®, acomete de 1% a 10% das pessoas; dois asteriscos atinge 10%.

Um remédio para tratar crianças e adolescentes que apresentam apenas problemas de comportamento e aprendizagem, com esses efeitos  e nessa incidência? Com certeza o remédio é muito pior do que a pretensa doença.

Vejam que ele provoca coisas que deveria estar tratando: 10% têm irritabilidade, tontura, cefaleia e, um efeito bastante importante é o “zumbi-like”, que consiste em agir como um zumbi, é ficar contido, amarrado em si mesmo.



Nos outros sistemas, as reações adversas são tão importantes quanto no sistema nervoso, e não é por acaso... Vejam: arritmia, taquicardia, palpitação e hipertensão, de 1% a 10% das crianças e adolescentes, crianças que não tinham problemas cardíacos.

Não é por acaso que a Associação Americana de Cardiologia preconiza que, antes de dar Ritalina®, seja feita uma avaliação cardiológica nas crianças e adolescentes, o que não acontece.



Na bula da Ritalina®, alguns alertas, inclusive um interessante: que não deve ser usado em paciente agitado, tenso e ansioso. Mas o remédio não foi dado para isso? E nem em crianças menores de seis anos. A recomendação de exames de sangue periódicos tem uima explicação bastante simples: a droga pode provoca uma queda, muitas vezes irreversível, de todas as células do sangue, hemácias, leucócitos e plaquetas. Então, precisa controlar. Os exames periódicos também devem avaliar as funções hepáticas, pois a droga pode alterar o funcionamento de células hepáticas, e se a droga não for suspensa pode levar a coma hepático. É somente por esses “probleminhas” que precisa fazer exames de sangue periódicos. A bula avisa que precisa fazer, só não explica o porquê; e os controles não são feitos e tudo contiinua como se nada de grave houvesse...



Por que esta discussão toda aqui na Câmara de Vereadores de São Paulo? O que nós estamos discutindo? Fundamentalmente, o que está em jogo são os direitos da criança e do adolescente, algo que foi construído e conquistado pela sociedade brasileira ao longo de décadas, com muito sofrimento e muita morte para a gente poder chegar ao ECA. E que coloca que a criança e o adolescente têm alguns direitos inalienáveis.

O primeiro deles é o direito à vida, que implica inclusive no direito de não tomar um remédio que pode matar, por exemplo. O direito à liberdade, respeito e dignidade.



O direito à saúde. No ECA está escrito: “Atenção integral à saúde pelo SUS”, que é outra conquista da sociedade brasileira. Um dos princípios fundamentais do SUS é que todo atendimento à saúde deve ser feito na rede de saúde, evitando duplicação e desperdício de recursos humanos e materiais. Lógico que falta recurso, ainda falta gente, mas o SUS está fazendo e tem que assumir mais.

Direito à educação de qualidade para todos. Esta é a nossa luta. O direito de toda criança e todo adolescente a aprender, ao acesso a uma educação de qualidade, publica, gratuita e socialmente referenciada.

Entretanto, o que estamos vivendo hoje é uma luta declarada contra o ECA, em todos os sentidos: precisamos acabar com o ECA, o ECA dá liberdade ao infrator... Enfim, todo um discurso que eu não vou repetir.
Estamos assitindo ao surgimento de outro discurso que também destrói o ECA, que é colocar como direito isso que está aí.



Vejam, é uma absoluta e absurda inversão do que é direito e da nossa construção histórica na sociedade brasileira, da nossa conquista. Colocar que a criança tem o direito a um diagnóstico e um tratamento dentro da escola de uma doença que nem sequer foi comprovada. Mas, vamos admitir que fosse, por que dentro da escola? E por que triar todo mundo se isso não é feito, por exemplo, nem para a acuidade visual? Por quê?

Direito? Não é direito. Direito a um diagnóstico que me torna doente e incapaz? Porque é isso, sim. Ao ser diagnosticado como portador de dislexia e TDAH, está posto que não sou capaz de aprender, e que eu preciso ter acesso a outras coisas, como não poder ser reprovado. Direito a um tratamento que me contém quimicamente e que pode me levar a uma drogadição.

Gente, eu não quero que o meu filho tenha o direito de não ser reprovado, eu quero que ele tenha o direito de aprender, este é o direito que defendo para todos, é por isto que eu luto, pelo direito a uma educação pública de qualidade para todos.

Esse é o direito que temos que defender, que as crianças possam aprender e que a escola seja capaz de identificar como são as crianças, quais os processos cognitivos que elas usam para aprender. Que a escola e as professoras sejam capazes de avaliar as possibilidades e as necessidades de cada criança, acolher e ajudá-las a superar os seus próprios limites.

Isto é o direito que cada um de nós deve ter; este é o direito que temos que defender.

Todos nós temos que estar sempre fazendo opções em nossas vidas.

Neste momento, nos defrontamos com mais uma, fundamental: ou nos deixamos ser cooptados (pois não somos cooptados, nos deixamos cooptar) ou ficamos do lado da vida, do lado das crianças.



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